O conflito geopolítico deflagrado pela Rússia ao invadir a vizinha Ucrânia forçou a China a mudar o rumo da estratégia de contenção da alta dos preços do minério de ferro. O país é o maior importador mundial da commodity do aço, com cerca de 1,1 milhão de toneladas por ano. É um material estratégico para sua indústria do aço, que é cerca de 55% do volume produzido no mundo.

O governo chinês, desde meados do ano passado, começou a impor restrições na produção de seus principais cinturões siderúrgicos, como o de Tangshan. Isso freou a escalada dos preços por um tempo. Com a recuperação da força do valor da commodity, recentemente órgãos estatais chineses iniciariam uma força tarefa para impor sanções ao que se chamou de especulações de preços no mercado à vista (spot) do país, que movimenta milhões de toneladas por dia.

Na semana passada, o governo cogitou um decreto obrigando utilização de minério de ferro nos estoques que estão nos portos chineses, reduzindo compras de novos lotes. São cerca de 160 milhões de toneladas estocadas, informou ao Valor o sócio-diretor da Neelix Consulting – Mining & Metais, José Carlos Martins.

“Seria um instrumento de mercado natural, utilizado para regular preços de matérias-primas ou produtos”, afirmou.
Porém, com a alta de US$ 20 a tonelada desde o início da guerra no preço do minério, a China decidiu tomar uma decisão estratégica em termos de país: garantir o abastecimento de matérias-primas e insumos de suas indústrias. Independentemente do aumento dos preços que se verifica no atual cenário e que podem subir ainda mais se a guerra se prolongar.

“A China parou de falar na redução de estoques e passou a priorizar segurança no abastecimento de minério e outras matérias-primas”, afirma Martins. Para o consultor, as dificuldades do mercado ficaram ainda mais evidenciadas com o conflito. Ele destaca: “não será fácil substituir o peso da Rússia como produtor e fornecedor de minério, metais, petróleo e outros insumos”.

O governo chinês pretendia a todo custo conter uma nova escalada da cotação do minério, que em maio de 2021 bateu em quase US$ 240 a tonelada. Teve sucesso momentâneo de levá-lo a próximo de US$ 90, mas aos poucos a commodity veio retomando os patamares de US$ 130 a US$ 140 a tonelada.

Nesta segunda-feira, o minério com teor de 62% de ferro encerrou o dia com valorização de 5,7% no porto de Qingdao, para US$ 161,65 a tonelada, o maior preço desde meados de agosto.

Rússia e Ucrânia são dois grandes fornecedores de finos e pelotas de minério de ferro no mercado — a China fica com mais de 45 milhões de toneladas do volume exportado por russos e ucranianos. Dos dois países saem ainda alumínio, níquel, cobre, paládio, ferro-gusa, petróleo, gás, fertilizantes e commodities agrícolas.

“Em minério, a dependência da China de fornecimento russo não é tão elevada, mas a questão é que Rússia e Ucrânia respondem por quase 10% [são 185 milhões de toneladas] da produção mundial e a saída desse volume cria turbulência e preocupações”, afirma o consultor.

Martins faz um paralelo em relação a 1991, com o estrangulamento da União Soviética. Naquele momento, diz, o mercado global foi inundado com todo tipo de produtos e commodities das diversas repúblicas e que eram centralizados pelo governo de Moscou. “Essa inundação levou a uma forte queda dos preços, gerando ganhos para a maioria dos consumidores no mundo, principalmente a Europa. Agora, é o contrário, os preços vão para as alturas”, analisa Martins, que foi diretor executivo e de metais ferros da Vale por dez anos, até 2014.

Segundo ele, o mercado de minério já enfrentava um problema de oferta que não vai se resolver no curto e médio prazo. “Não há muita capacidade nova de produção para entrar nos próximos anos. A Vale tem dificuldades para ocupar suas capacidades instaladas em várias minas devido aos problemas de barragens e demora nas licenças ambientais”.

Na Austrália, informa Martins, Rio Tinto e BHP não têm projetos novos e a Fortescue (grupo FMG) tem apenas um projeto de 20 milhões de toneladas que iniciará operação de forma gradual. Outro grande produtor, a Anglo American, também não dispõe de oferta adicional prevista.

Além disso — acrescenta —, há exaustão de reservas de muitas minas que estão em operação.

Para o consultor, é do Brasil que poderá sair volume suficiente para equilibrar o mercado mais à frente — somente na Vale são 100 milhões a 120 milhões de toneladas paralisadas. E há ainda Samarco (produtora de pelotas) que retomou operações no fim de 2020, , mas que prevê ampliar a produção somente em 2026. A CSN Mineração também tem problemas de licenciamento para elevar sua capacidade.

As medidas chinesas visando pôr um freio na alta de preços do minério terão de ficar para outro momento. Além da regulação dos estoques, o governo falou em criar uma plataforma única — na verdade uma empresa estatal — para fazer as compras da matéria-prima. “É uma enorme interferência no mercado. Será um tiro no pé”, afirma o consultor.

Na sua visão, se isso vier a ser implementado pelas autoridades chinesas em algum momento vai destruir o mecanismo criado vários anos atrás de mercado spot na China, que cumpre um papel importante de atrair oferta. “Essa plataforma seria a pior medida que se tomaria”, diz.

Uma consequência imediata seria as mineradoras pedirem para as siderúrgicas passarem a retirar o minério em seus portos, como era antigamente, quando não havia mercado spot. Naquela época, que durou até por volta de 2008-2010, o preço era reajustado uma vez por ano.

Mas, em tempos de guerra e de desarranjos da cadeia produtiva mundial, a preocupação do preço, por parte da China, foi substituída pela segurança de abastecimento, resume o consultor da Neelix. “A China consome 1,4 bilhão de toneladas por ano (mais de 110 milhões a cada mês) e o país produz apenas 250 milhões a 270 milhões de minério ao ano”.

Ele acrescenta: é um grau de dependência enorme. Mas o país age rápido, com política pragmática, baseada na realidade. “Não vejo solução do conflito no curto prazo; por isso, todo mundo vai pagar mais caro pelas consequências da guerra”, conclui.

Fonte: https://revistaferroviaria.com.br/2022/03/guerra-faz-china-priorizar-abastecimento-de-minerio-de-ferro-independentemente-do-preco/